Era um dia como outro qualquer.
O sol tinha brilhado na alvorada, mas o amanhecer trouxe aquele cinzento frio, incerto, de mais um dia de Outono, apenas colorido por folhas de um laranja pálido encrustadas nos passeios.
Depois de uma noite em que tinham sido evocadas memórias de ontem, mesmo de ontem, e loas aos méritos e conquistas alheios, havia à minha volta muitas pessoas, algumas em conversa animada, trazida pela saudade do reencontro, outras mais entristadas por mais uma destas reuniões e outras mesmo acabrunhadas, em pose de reflexão
Nunca fui pessoa de ajuntamentos, pelo que enfileirava o rol dos entristados, mas doutra forma não podia ser, não encontrava forma de me exprimir, estava como plenamente ausente de mim próprio e alheio à multidão. Contudo, ainda que não quisesse assistir ou participar, a minha presença era requerida.
Num canto, alguns furtivos olhavam para mim de soslaio, enquanto iam debitando anedotas, fazendo relembrar a azáfama da troca de cromos num recreio de escola. Outros procuravam falar comigo, mas liam a minha ausência e desistiam, iam falando por dentro esperando que lhes desse ouvidos, mas rapidamente desistiam e iam queimar-se em tabaco.
Entretanto, lá fora, a chuva começou a benzer as folhas na calçada e a lavar a inquietude dos que se expunham ao tempo. Muitos regressaram para dentro, com o desejo que a água lhes levasse os pensamentos na corrente.
Eu, mantinha-me no centro da sala, sem forma de abandonar aquela letargia e nem a intempérie me chamava de novo a mim. Mas enfim, tantos dias assim, e outros tão diferentes, me tinham levado a isto, pelo que já nada deveras me preocupava.
Do meu lado direito, algumas crianças, sem pingo de adultidade, procuravam fugazmente compreender o motivo de tanta confusão mas, sem solenidade, olhavam mais ao tempo que não prometia uma tarde passada na rua das traseiras.
Ao mesmo tempo, pela porta da frente entrava mais uma pessoa, aguardada pontualmente, pois a ocasião não demandava atrasos. Alguns dos presentes olharam-na de frente, mas outros evitaram o confronto visual, ainda que sem desrespeito, sentindo algum temor e tremor futuros.
O orador do evento tinha chegado e, aos poucos, a confluência de vontades e o entendimento quanto à presença encontravam acolhimento nas palavras que fluentemente, matraqueadamente, lhe saiam em discurso.
Depois de ouvidas tais palavras, muitos sentiram alívio, mas eu, ainda no centro da sala, do lado esquerdo do palanque, continuava sem forma de me redimir.
Depois de todas aquelas conversas, discursos, mas também silêncios, disto e daquilo, vieram breves e longas despedidas, às quais não liguei, sequer de todo ouvi. Partimos todos de seguida ao encontro do mau tempo, já que o céu limpo continuava a ser uma promessa adiada, e encaminhamo-nos para um novo ponto de encontro.
À chegada, perante um portão de ferro preto, o tempo rendeu-se à sua austeridade e alguns sorrisos acompanharam-no ao sol, com e sem benevolência. Mas já poucos falavam, pelo cansaço, mesmo depois de mais um dia como outro qualquer, e quase todos ansiavam que tudo terminasse.
Não demorou muito a que tal se concretizasse e eu, que também ansiava por ficar finalmente a sós, enfim comecei a sentir-me melhor, como se aliviado em parelha com o bom tempo. O céu já dava imagem real de si, azul desnublado, e as folhas no chão iam ganhando um brilho de laranja mais vivo, como num dia qualquer de início de Primavera.
Seguidamente, cada um zarpou como barco tardio na maré, de volta ao seu rumo, mas muitos deles sem horizonte.
Já eu, fiquei por ali, numa rua das traseiras, já que o tempo, todo o tempo, isso me concedera, a brincar entre pedras e flores.
O sol tinha brilhado na alvorada, mas o amanhecer trouxe aquele cinzento frio, incerto, de mais um dia de Outono, apenas colorido por folhas de um laranja pálido encrustadas nos passeios.
Depois de uma noite em que tinham sido evocadas memórias de ontem, mesmo de ontem, e loas aos méritos e conquistas alheios, havia à minha volta muitas pessoas, algumas em conversa animada, trazida pela saudade do reencontro, outras mais entristadas por mais uma destas reuniões e outras mesmo acabrunhadas, em pose de reflexão
Nunca fui pessoa de ajuntamentos, pelo que enfileirava o rol dos entristados, mas doutra forma não podia ser, não encontrava forma de me exprimir, estava como plenamente ausente de mim próprio e alheio à multidão. Contudo, ainda que não quisesse assistir ou participar, a minha presença era requerida.
Num canto, alguns furtivos olhavam para mim de soslaio, enquanto iam debitando anedotas, fazendo relembrar a azáfama da troca de cromos num recreio de escola. Outros procuravam falar comigo, mas liam a minha ausência e desistiam, iam falando por dentro esperando que lhes desse ouvidos, mas rapidamente desistiam e iam queimar-se em tabaco.
Entretanto, lá fora, a chuva começou a benzer as folhas na calçada e a lavar a inquietude dos que se expunham ao tempo. Muitos regressaram para dentro, com o desejo que a água lhes levasse os pensamentos na corrente.
Eu, mantinha-me no centro da sala, sem forma de abandonar aquela letargia e nem a intempérie me chamava de novo a mim. Mas enfim, tantos dias assim, e outros tão diferentes, me tinham levado a isto, pelo que já nada deveras me preocupava.
Do meu lado direito, algumas crianças, sem pingo de adultidade, procuravam fugazmente compreender o motivo de tanta confusão mas, sem solenidade, olhavam mais ao tempo que não prometia uma tarde passada na rua das traseiras.
Ao mesmo tempo, pela porta da frente entrava mais uma pessoa, aguardada pontualmente, pois a ocasião não demandava atrasos. Alguns dos presentes olharam-na de frente, mas outros evitaram o confronto visual, ainda que sem desrespeito, sentindo algum temor e tremor futuros.
O orador do evento tinha chegado e, aos poucos, a confluência de vontades e o entendimento quanto à presença encontravam acolhimento nas palavras que fluentemente, matraqueadamente, lhe saiam em discurso.
Depois de ouvidas tais palavras, muitos sentiram alívio, mas eu, ainda no centro da sala, do lado esquerdo do palanque, continuava sem forma de me redimir.
Depois de todas aquelas conversas, discursos, mas também silêncios, disto e daquilo, vieram breves e longas despedidas, às quais não liguei, sequer de todo ouvi. Partimos todos de seguida ao encontro do mau tempo, já que o céu limpo continuava a ser uma promessa adiada, e encaminhamo-nos para um novo ponto de encontro.
À chegada, perante um portão de ferro preto, o tempo rendeu-se à sua austeridade e alguns sorrisos acompanharam-no ao sol, com e sem benevolência. Mas já poucos falavam, pelo cansaço, mesmo depois de mais um dia como outro qualquer, e quase todos ansiavam que tudo terminasse.
Não demorou muito a que tal se concretizasse e eu, que também ansiava por ficar finalmente a sós, enfim comecei a sentir-me melhor, como se aliviado em parelha com o bom tempo. O céu já dava imagem real de si, azul desnublado, e as folhas no chão iam ganhando um brilho de laranja mais vivo, como num dia qualquer de início de Primavera.
Seguidamente, cada um zarpou como barco tardio na maré, de volta ao seu rumo, mas muitos deles sem horizonte.
Já eu, fiquei por ali, numa rua das traseiras, já que o tempo, todo o tempo, isso me concedera, a brincar entre pedras e flores.