No tempo em que os meus Pais eram os inventores do fogo
O meu mundo era um congeminado e belo plano
O sol girava sempre à minha volta, radiante por me ver
Não havia noite com escuridão, mesmo ao dormir
Raramente fazia frio e, um dia de chuva,
Tinha a alegria da primeira neve nos picos mais altos
No tempo em que os meus Pais tinham o dom da ubiquidade
Tudo era coisa por descobrir, mas com a certeza de encontrar
Nada era incerto e não questionava as minhas falhas
As deles? Inexistentes! Os meus Pais eram o Olimpo dos deuses
Sem saber, rezava com religiosidade suprema à divindade paterna
Era um total crente na palavra do senhor meu Pai, assinava-a de cruz
E adorava a imagem da minha Maria Mãe, imaculada e assexuada
No tempo em que os meus Pais eram a omnisciência da filosofia grega
Para mim, a dúvida era algo essencialmente cartesiano, assim ouvi dizer depois na escola
A ausência de metafísica era mais do que uma palavra que ainda mal conhecia
Era a minha realidade, absolutamente abstrata, desomnisciente
Assim foi durante algum tempo; este tempo, tanto tempo!
Quase todo o meu tempo! Mesmo mais do que será o meu tempo!
Mas esse tempo foi-se de mim escolasticamente apagando
Como giz que se vai esbatendo em ardósia esquecida
Deixando sempre algo de relevo escondido em pano de fundo
E eu, sem alto relevo para o meu plano, dizem, cresci
Adultei-me à força, mas sem me adulterar de todo
E os meus Pais, foram relevantemente diminuindo, também fisicamente
E eles e eu, mais eu que eles, fomos convergindo para o centro de qualquer coisa
Um espaço imaginário onde nos encontrámos e tocámos as mãos
Passando um testemunho de uma estafeta a meio da meta, já algo estafada
Deixei assim os meus Pais e fui à vida sem plano, em deseconomia
Fui deixando de ser eu para ser algo que eu pensava deveria ser
Deixei também outros por mim planearem
O que depois fiz questão de escrupulosa e meticulosamente concretizar
Realizei-lhes os seus sonhos dando-lhes forma em mim
Mas deixei-me de mim, como deixei os meus Pais
Abandonei-me à sorte de não ser eu
No tempo em que me casei, e bem depois mais,
No tempo em que nasceram os meus Filhos
Julguei que os meus Pais já quase não eram os meus Pais
E eu já era muito mais os meus Pais
Mas na realidade sem saber o quê
Depois veio o tempo em que os meus filhos cresceram e eu deixei de ter Pai
E passei a olhar para as palavras que escrevo através dos olhos dos meus Filhos
A imaginar-me no lugar deles a pensar o que penso de mim
Descobrindo, surpreso, que sempre fui os meus Pais
E os meus Pais sempre serão o que eu for
Ainda que hoje apenas expressamente pela minha Mãe
Mas memorial e eternamente pelo meu Pai
E que eu, afinal, sempre fui verdadeiramente bem mais parecido comigo do que julgava
Reflectidamente, em cada momento, idolatro ainda mais os meus Pais
E passo a gostar um pouco mais de mim
Sou o novo inventor do fogo,
Sem ubiquidade omnisciente
No tempo que me resta viver
Muito ainda
Nos dias em que voltar a pensar nisto
Serei Pai que avança pensando nos Pais
E Filho que evolui pensando nos Filhos
Um eu num eu de outros eus
Filho ou Pai?
Criança ou adulto?
Não me interessa!
Na realidade sempre foi tudo o mesmo!
E nós que sempre soubemos disto!
Mas desconfio que o adulto que no meu interior se força haver
Não faria de todo questão de sequer existir
Nem que fosse pela simples vontade infantil de contrariar
Mesmo sendo um dia avô, Pai do Pai da Filha, Pai da Mãe do Filho
No tempo que me resta viver
A seu tempo os meus Filhos hão de dizer
No tempo em que os meus Pais...
O meu mundo era um congeminado e belo plano
O sol girava sempre à minha volta, radiante por me ver
Não havia noite com escuridão, mesmo ao dormir
Raramente fazia frio e, um dia de chuva,
Tinha a alegria da primeira neve nos picos mais altos
No tempo em que os meus Pais tinham o dom da ubiquidade
Tudo era coisa por descobrir, mas com a certeza de encontrar
Nada era incerto e não questionava as minhas falhas
As deles? Inexistentes! Os meus Pais eram o Olimpo dos deuses
Sem saber, rezava com religiosidade suprema à divindade paterna
Era um total crente na palavra do senhor meu Pai, assinava-a de cruz
E adorava a imagem da minha Maria Mãe, imaculada e assexuada
No tempo em que os meus Pais eram a omnisciência da filosofia grega
Para mim, a dúvida era algo essencialmente cartesiano, assim ouvi dizer depois na escola
A ausência de metafísica era mais do que uma palavra que ainda mal conhecia
Era a minha realidade, absolutamente abstrata, desomnisciente
Assim foi durante algum tempo; este tempo, tanto tempo!
Quase todo o meu tempo! Mesmo mais do que será o meu tempo!
Mas esse tempo foi-se de mim escolasticamente apagando
Como giz que se vai esbatendo em ardósia esquecida
Deixando sempre algo de relevo escondido em pano de fundo
E eu, sem alto relevo para o meu plano, dizem, cresci
Adultei-me à força, mas sem me adulterar de todo
E os meus Pais, foram relevantemente diminuindo, também fisicamente
E eles e eu, mais eu que eles, fomos convergindo para o centro de qualquer coisa
Um espaço imaginário onde nos encontrámos e tocámos as mãos
Passando um testemunho de uma estafeta a meio da meta, já algo estafada
Deixei assim os meus Pais e fui à vida sem plano, em deseconomia
Fui deixando de ser eu para ser algo que eu pensava deveria ser
Deixei também outros por mim planearem
O que depois fiz questão de escrupulosa e meticulosamente concretizar
Realizei-lhes os seus sonhos dando-lhes forma em mim
Mas deixei-me de mim, como deixei os meus Pais
Abandonei-me à sorte de não ser eu
No tempo em que me casei, e bem depois mais,
No tempo em que nasceram os meus Filhos
Julguei que os meus Pais já quase não eram os meus Pais
E eu já era muito mais os meus Pais
Mas na realidade sem saber o quê
Depois veio o tempo em que os meus filhos cresceram e eu deixei de ter Pai
E passei a olhar para as palavras que escrevo através dos olhos dos meus Filhos
A imaginar-me no lugar deles a pensar o que penso de mim
Descobrindo, surpreso, que sempre fui os meus Pais
E os meus Pais sempre serão o que eu for
Ainda que hoje apenas expressamente pela minha Mãe
Mas memorial e eternamente pelo meu Pai
E que eu, afinal, sempre fui verdadeiramente bem mais parecido comigo do que julgava
Reflectidamente, em cada momento, idolatro ainda mais os meus Pais
E passo a gostar um pouco mais de mim
Sou o novo inventor do fogo,
Sem ubiquidade omnisciente
No tempo que me resta viver
Muito ainda
Nos dias em que voltar a pensar nisto
Serei Pai que avança pensando nos Pais
E Filho que evolui pensando nos Filhos
Um eu num eu de outros eus
Filho ou Pai?
Criança ou adulto?
Não me interessa!
Na realidade sempre foi tudo o mesmo!
E nós que sempre soubemos disto!
Mas desconfio que o adulto que no meu interior se força haver
Não faria de todo questão de sequer existir
Nem que fosse pela simples vontade infantil de contrariar
Mesmo sendo um dia avô, Pai do Pai da Filha, Pai da Mãe do Filho
No tempo que me resta viver
A seu tempo os meus Filhos hão de dizer
No tempo em que os meus Pais...