(texto originalmente publicado em 27 de Novembro de 2011)
A existência humana, porém nunca toda, pois algumas resistem tenazmente em colocar pé a bordo, outras não sabem apreciar a viagem ou sequer conseguem ter elevação para a conhecer, deixa-se guiar, no seu essencial, em jornada de aspiração ao desígnio de ser feliz. A felicidade não é forçosamente uma utopia, mas é altamente subjectiva e de muito duvidosa definição e atingimento. Da palete que contém todas as cores matizadas por eventual mestre, não só pintor, mas feitor de todas as coisas, cada um dela retira os tons que melhor contrastam e dão brilho ao seu quadro de vida em felicidade. Sejam quais as cores escolhidas, ou cor, pois muitos preferem a  monocromaticidade, a felicidade não deve ser perspectivada como meta, como artista que contempla apenas a obra quando pronta, olvidando o trajecto que lhe permitiu atingir a realização do quadro. Como tal pintor, os que se deixam guiar nesta viagem olhando apenas para a linha de chegada, transportando a obsessão de a cortar vitoriosos, cometem, talvez, o maior dos erros e, sem o saber, vão olhando para o lado ou fechando os olhos às vistas que a viagem se lhes oferece de quando em vez. Ainda que a obra realizada seja prima e o pintor seja consagrado em concurso de arte da galeria da vida, será sempre apenas um ponto, ainda que marcante, que mesmo se constantemente admirada, quando ansiadamente pronta, se torna acto monótono e destinado a não ser duradouro, pois o percurso trilhado pelos que foram pintando a sua vida foi longo e deixou pouco tempo para o acto de contemplação. É no percurso, desde que se esboça o projecto do quadro, se apõem os primeiros traços na tela, se vão cambiando as cores que melhor o possam preencher, que as metas vão surgindo, sendo muitas vezes despercebidos os momentos em que a fita é tocada com o peito. Não é necessário ser o primeiro em toda e cada uma das metas, pois cada um tem o seu ritmo de felicidade, havendo várias corridas em paralelo de que não podemos, por simples impossibilidade física e, mesmo mental, tomar parte. Este percurso é repleto de linhas mal definidas, de pinceladas fora de sítio, de borrões nos tons de felicidade, de estradas ascendentes e descendentes que requerem pausa para descanso, como pintor que pára para lavar os pinceis exaustos e mesclados de cores confusas que tornam o quadro pouco nítido. O início da jornada deve começar pela inscrição na corrida com a preparação e a dotação adequadas, não físicas, mas sentimentais e emocionais, de amor próprio de pintor que olha o quadro como espelho e aprecia o reflexo que se lhe é oferecido. Importa que o pintor seja suficientemente arrogante, mas sem excessos que o levem à oclusão no egocentrismo de querer o quadro só para si, desde que o inicia até à sua conclusão. Os que sabem pintar a vida com os tons que para si são os certos, convidam outros para discutir o projecto, partilhar a dúvida e o erro do traço aposto na tela, pedindo ajuda na correcção e ajudando a corrigir o que por outros é pintado. Os sábios mestres convidam outros a pintar a tela a todas as mãos possíveis, pois o quadro também é para ser visto por outros, desde que começa, incompleto, até que acaba, nunca perfeito, forçosamente. Mas essa partilha não deve deixar que cada mestre duvide da sua capacidade de pintar sozinho, se necessário, os outros não devem ser o cavalete que segura a tela enquanto esta é pintada e, na sua ausência, frustrar o pintor de tal modo levando-o a mudar de arte e a desistir da viagem que lhe estava destinada por falta de suporte angular. Se o quadro for assim pintado, ainda que dele resulte natureza morta, os frutos terão sempre vida e estarão suficientemente maduros, gerando vontade noutros em os colher da tela. Maduros, mas suficientemente resistentes que mesmo aqueles que queiram pisar a obra de arte serão sempre confrontados com fruta salubre imperecível. E mesmo os muitos que, não sabendo, ou querendo nada pintar, e não desejando ser convidados para a galeria dos ofícios onde vários mestres pintores esboçam quadros de vida e lhes poderiam transmitir ensinamento, têm como único desígnio destruir apenas os quadros doutros, seja em esboço ou já acabados, mesmo se os roubassem não saberiam sequer admirá-los ou perceber o que está pintado, vendo apenas tela branca de pleno vazio, E nada mais poderiam fazer senão, vilmente, aliená-los a terceiros nunca percebendo que a troca que fazem é tão, apenas tão, fruto de vista míope que nunca soube o valor intrínseco do que a tela transportava. Valor esse, sem preço.