"Cinema Paraíso"

Às vezes abraço um filme antigo, nem sempre assim tão velho, daqueles que fazem os olhos de hoje mirar-me com inusitada incompreensão pelo deleite. São olhares que me rotulam a antiguidade, lembrando-me que vou subindo na cota dos anos.

Pode ser uma qualquer fita, vista e revista, repisada e decorada, de menor ou maior subjectiva qualidade. O tal olhar haverá de chegar, seguido do dizer não gosto que nos deixa sós à sorte de elenco de peça de monólogo. Os meus filhos são o meu barómetro, acérrimos e especializados críticos de cinema, mas não são os maus da fita, bem antes, muito e completamente, os heróis de sempre do filme da minha vida. Eu sei que eles não vêem tudo para lá da película, assim como eu ainda não o consigo ou jamais conseguirei.

Não sei se eles sabem bem que não é sobretudo do filme que me vem o prazer nostálgico que me cola à tela. Em cada fala estafada, de efeitos hoje não tão especiais, recuo ao momento em que o filme estreou, pelo menos quando foi inaugurado na minha memória. Passo em revista o que era e o que então queria ou julgava querer ser. No tempo do filme, um qualquer, lembro-me de ser tempo de grandes perguntas feitas por pessoas também supostamente grandes à lente dos meus olhos pequenos.

Os filmes eram igualmente grandes, em tamanho e em subjectiva qualidade, uns mais que outros, tal como os perguntadores. A pergunta de que mais me lembro, fulcral, vital, fazendo aguardar resposta em jeito de anseio por final de fita em beijos e música celestial, gerava silêncio sepulcral nos demais enquanto o pequeno não desse a grande resposta, enquanto não desvendasse o que queria escrever no guião de sua vida futura.

Inquiriam-me sobre o que queria ser, não no dia seguinte, depois do fim de um filme que estivesse a passar na televisão da sala, mas quando fosse do tamanho deste, impondo-me uma temporalidade tão distante que ainda hoje a não consigo captar. Dos filmes e suas personagens vinha muitas vezes resposta, variante como catavento que segue o sucesso da última estreia.

De tantas respostas dadas uma nunca me ocorreu. Simples, sem heroísmos, ambições ou desideratos de agradar aos ouvintes perguntadores e, em especial, aos meus pais. Gostava de ter tido então a capacidade de a dar. Mas ainda não era realizador, era um projecto a realizar. O meu orçamento mental era pouco robusto para produzir pouco mais do que pequeno actor, sem deixas, nervoso perante plateia em noite de estreia.

Hoje em dia não só vejo filmes e entro em palcos, por vezes sem o desejar é certo, como realizo respostas que nunca terão, é certo também, certeza de final feliz. Ainda assim deixem-me dar-vos um conselho de guionista amador, melhor, uma sugestão, sinto-me mais abaixo no nível da cota de anos se assim for.

Quando vos fizerem tal pergunta, em tenra idade, ou mesmo em qualquer outra, e se se virem confrontados com os anseios dos grandes pela lapidar resposta, não se deixem ir em filmes, cenas ou argumentos escritos e ditados por outros.

Dêem uma só resposta, digam que nada querem ser mais do que já são. Lembrem-se que antes do filme vinha, e virão sempre, basta tê-los por dentro, desenhos animados. Respondam, pois, rindo à grande da pergunta, que quero ser criança quando for grande e que espero nunca crescer demasiado para alterar, sequer questionar, o sentido da resposta. Não há melhor filme para a vossa vida, seja em curta ou longa-metragem.