"Aproveitem"

Não há vida com desígnio de sorte
Nem o azar se designa por morte
É não vida a amarrada e não sentida
Sustida só no cordão do que se foi
E se espera sempre que volte

Venha um rasgo que desbrague o atilho
De pensamento incisivo que o corte
Desate o nó que na garganta se fez filho
Pródigo parasita que nos deixa por fio
Perversamente amamentado por secura de desnorte

É que a morte leva-nos vida em dias e momentos
Oh fatalidade! Porque vislumbro só lamentos?
E tão poucos que tanta vida querem?
Vendo muitos outros tanto ensandecerem
Presos a tudo e sem nada que lhes importe

O que nos é tirado tem de ser compensado
E se podemos viver em corpo que a alma exporte
Soltura e liberdade em prazo limitado
Não esperem até que na madeira
Hoje, amanhã e depois vos toque
O azar já trasvestido por tanta morte

Passem olhos de leveza pela vida passageira
Pois o caminho finda em porta sem passadeira
Não haverá além um olhar do outro lado
Nem sossego para o que não foi sossegado

E se julgarem que por sorte estou enganado
Espero que o terem estado presos ao que foi
Tanto tempo, excessivamente acima de demasiado
Não vos condene, apenas, a nova dose de passado
Isso sim, seria um azar pela morte tramado