"Avenida"

O caminho é longamente curto
Para os que trilham por perto
O vento embala-os pela descida
Esperando-os pela frente no regresso

O caminho é para ser feito de olhos despertos
Não apenas mirando para dentro de nós
Mesmo que os olhos se digam abertos
Pois à volta há vidas silenciadas sem voz

Vidas sentadas que já fazem parte do passeio
Incrustadas entre o branco e preto da calçada
Gente andrajosa que não pode dar asas ao asseio
Porque não lhes falta boca vazia e saúde esvoaçada

As caixas nuas de moedas vão despindo o anseio
De regresso mesmo contra o vento do caminhante
As costas curvam-se até ao ponto em que se partirão ao meio
No dia em que o peso da gravidade surpasse o desesperante

Os engraxadores bocejam pelo tédio no passeio
De sapatos que sem brilho lhes ignoram o pedido
Misturam-se entre falência e luxo lojas pelo meio
Em números de polícia de rosto escondido

Nas esplanadas servem-se línguas estrangeiras
As de cá são ornamento dos bancos de jardim
Tudo isto se passa à míngua das carteiras
Pela libertinagem que não parece ter fim

Para muitos destes o vento não se sente
O vento é uma espúria fatalidade
O vento esqueceu-se desta gente
Em pleno passeio da liberdade