"A Alma Não Existe. Será?"
Qualquer Poeta que se preze querer sê-lo, especialmente o que se toma muito a sério, apela à alma nos seus escritos.
Mas os estados de alma, o tamanho ou até a sua cor são simples formas alegóricas utilizadas para descrever os sentimentos e a pulsão de cada um de nós na forma como encara os momentos de cada dia e a vida, pois a alma não existe, que conste nunca foi avistada, e não ocupa espaço físico no nosso interior, que se saiba nunca ninguém foi operado à alma.
É ingénuo dizê-lo assim, bem sei, mesmo deveras infantil, pois todos o sabem.
Mas sabê-lo-ão deveras? É que ela sofre, não só se diz, escreve, como há quem o afirme sentir ou o ter sentido noutros, sangra, por vezes até desprende lágrimas ou, até também, se perde, mesmo que tenha gémea não penada. "Há pessoas sem alma" dizem muitos, ou nunca a tiveram, sendo normais seres humanos, ou então perderam-na e são pessoas extraordinárias, se a vierem a recuperar pelo bem, afirmo eu.
Mas como se pode perder algo que nunca se achou? Como coisa alguma pode revelar manifestações emocionais, como o sofrimento, e por este verter dor se inexiste? É tudo metafórico, pois claro, é somente para embelezar a escrita, para lhe dar alma, deveria saber que sou um naive entre iluminados.
Ou será talvez porque estes são os lados negros da alma e que da negritude se não vislumbra senão trevas? A 'alma nas trevas' é então um conceito de suprema perdição, pois se a primeira não existe, as segundas ter-lhe-iam de seguir os passos por falta de objecto social e decretar falência. Mas há Poetas que adoram amores de perdição e perdem-se, como as almas, na escrita floreada de conceitos indeterminados que arrebatam.
Acho que padeço do vício, mas o das flores, não o da perda. Mas vício por flores não é vício, é antes ser romântico e ter a alma branca e perfumada. Que bem que sabe ler que algo que não existe é de cor alva e bem cheiroso. E escrevê-lo? Arrepiar antecipadamente pelo impacto da frase nos putativos leitores! Nem vos digo, antes que me perca, vou antes arrepiar caminho. Como fez Agostinho, o da Silva, brilhante filósofo e humanista e o Santo.
Será, ao invés, como dizia Gil Vicente no Auto da dita, que a alma existe e é negra porque é albergue do desejo de vícios? Mas até o negro é visível, mesmo se aposto sobre o mais preto dos vícios que à saciedade possamos ter em sociedade...e são tantos...oh se são tantos, são demais…e não falo de pretos ou brancos, falo da amoralidade grassante em brancos e pretos e nas almas, assumindo-as lá, doutras cores.
Tenho tanta pena que assim seja, pelo inferno que isso é para a vida d'outros, mas mais pena tenho ainda da dos malditos, pois se têm a suposta julgam apenas que destino de purgatório ela poderá ter como máximo castigo, e ainda assim cursam esperançosos na redenção, ou melhor, no resgate, é-lhes mais amigável ao tilintar dos ouvidos.
Mas o destino pode ter um gestor incerto e este pode ser ainda mais implacável do que o retratado por Vicente, que entre retórica de ardilosa sedução, não consta que fosse amigo da ascensão. E essa falta de paz, perante os 'riscos e as incertezas', que mui digna frase de Satanás, apesar de constar, com menos veemência talvez, que também não existe, intranquiliza e tira a calma, e contrasta tão bem com os amarelos, vermelhos, brancos ou pretos que, tendo-a, tenham a alma alva. São estes uma espécie de Anjos do Auto da Alma que nela depositam o apelo a não adormecer, nem a ceder a vaidades, e simbolizam a urgência de virtudes.
Continuo sem saber se a alma existe, mas, de Gil Vicente, há quem tenha navegado a seu lado na mesma barca. E antes dele, mesmo que este houvesse criado a alma por decreto ou auto, consta que já no latim havia palavra para o que nos anima e deve animar. E é naquilo que nos anima que o corpo vai ganhando alma.
Eu vou tentar não perdê-la, nem de vista, por um segundo que seja, “porque a transitória natureza humana vai cansada” e com tantos diabos à espreita “é necessário pousada para as almas”, pelo menos assim dizia Santo Agostinho pela boca de Gil Vicente.
Mas o destino pode ter um gestor incerto e este pode ser ainda mais implacável do que o retratado por Vicente, que entre retórica de ardilosa sedução, não consta que fosse amigo da ascensão. E essa falta de paz, perante os 'riscos e as incertezas', que mui digna frase de Satanás, apesar de constar, com menos veemência talvez, que também não existe, intranquiliza e tira a calma, e contrasta tão bem com os amarelos, vermelhos, brancos ou pretos que, tendo-a, tenham a alma alva. São estes uma espécie de Anjos do Auto da Alma que nela depositam o apelo a não adormecer, nem a ceder a vaidades, e simbolizam a urgência de virtudes.
Continuo sem saber se a alma existe, mas, de Gil Vicente, há quem tenha navegado a seu lado na mesma barca. E antes dele, mesmo que este houvesse criado a alma por decreto ou auto, consta que já no latim havia palavra para o que nos anima e deve animar. E é naquilo que nos anima que o corpo vai ganhando alma.
Eu vou tentar não perdê-la, nem de vista, por um segundo que seja, “porque a transitória natureza humana vai cansada” e com tantos diabos à espreita “é necessário pousada para as almas”, pelo menos assim dizia Santo Agostinho pela boca de Gil Vicente.