"Sem Pele"

Sou um manto de rugosidades, nem sempre em muitas mãos salientes
Sou muitas vezes de insensatez e loucura, mesmo se o corpo me pede o oposto
Tenho cobertura de muitos sentidos marcadamente ausentes
Mas que meu recheio ainda faz transparecer na pele do rosto
Visto-me felizmente de sentimentos também vividamente presentes
Reavivados na derme sempre que a alegria do sol retoma seu posto
Tenho cortes, marcas, manchas das roupagens dos descrentes
Mas igualmente em mim vincadas medalhas de eméritas conquistas, arrancadas sem patentes
Sei também vestir imagens do que julgo não ser, duro, sério e carrancudo
Que se impregnaram quando tive de armar tenda em jeito de escudo
Mas há tantas outras peles que não sei ser e que nunca serei, nunca serei tudo
Como quererei que meu corpo lhes sirva de molde se elas lhes não assentam?
Por mim abaixo escorregam como roupa que não serve e larga desconforto
Não me importo de andar despido de todas elas, mesmo das que se me ajustam
Prefiro não ter nenhuma sobre mim e brincar, apenas brincar, exposto e desnudado
Exibindo a real pele que há em mim, branca, peluda, de muito pêlo branco e preto matizado
Pois sei que há uma pele que por debaixo disto tudo, a de simples, justo e honrado
Que de si dá tudo  pelo amor e vontade de ajudar, mais do que ser ajudado
Tranquilamente corre nua de sentido, sem enfiar o que outros lhe querem ver vestido
É essa a pele que unicamente quero como veste, desejando que a tomem como manto querido
Mas apenas eu sei como ela se me está vestida e a quantos poucos quero deixa afagar
É uma roupa justa, simples e sem ostentação
Que entrego pelado aos que a sabem sentir na rugosidade da sua mão