"Um Simples Banco"

Hoje, depois de mais um rotineiro almoço, aventurei-me à rua, ainda um pouco cambaleante de maleitas recentes, para higienizar a mente. Estava como que anestesiado, com os pensamentos a ansiarem, mas sem força para se locomoverem, sair daquele local. Por força da minha condição, sentei-me num banco da avenida, vermelho, com um círculo central prateado em jeito de alvo, sugerindo que o descanso o atingisse, e acendi um cigarro deixando esfumar alguns dos pensamentos para longe do local que me atormentava, dez metros apenas em frente. Nem para ele olhei, apenas saboreei outro cigarro, de mais de uma dezena que o peso do dia já me tinha metido para dentro. Não estava só, mas não estava acompanhado, estava só em mim, ainda que ouvindo falar um colega, mais do que isso, amigo, que procurava valer argumentos sobre um assunto corriqueiro, mas importante, com a veemência respeitosa e tranquila que tanto gosto e que tanto me apraz nas pessoas. É por isso, entre muitas outras características, que o tenho por amigo e não apenas por colega. Julgo que se terá bem apercebido que a minha capacidade reactiva ao seu argumentário, válido, pelo menos visto do seu lado, e por isso também respeitável pela forma da apologia, estava tolhida. Ia agitando a cabeça, ora em concordância, ora em  negação, neste caso menos expressa que a primeira. Algumas palavras se me soltaram neste breve momento em que não estive só, mas por mim desacompanhado, mas sempre pouco convincentes, sei-o bem. O curto período tornou-se porém incrivelmente longo quando me relembrei daquele banco. Tinha estado ali sentado no dia 1 de outubro de 2008. O banco não tinha ainda o alvo, lembro-me bem. Estava nesse dia só e nem sequer acompanhado, aliás, nunca teria companhia mesmo se uma revolução ou  hordas de gente me abafasse em volta do banco. Estaria sempre só e não acompanhado. Nesse dia, e em muitos outros que se seguiram, nada entrava, nada se me sentia do exterior, fosse temperatura, ruídos, vento ou dor física. Naquela altura o alvo era eu, e era um alvo solitário, era assim que me sentia, recordo-me ainda melhor, mirado, observado, perseguido por todas as desgraças, impaciente, desesperado, plenamente descrente de tudo, simplesmente terminado. Concluída a breve conversa, que foi quase monólogo, não estávamos de acordo sobre o tema que era o acordo ortográfico. Iremos sempre discordar, ainda que eu saiba que os seus argumentos têm mais peso e realismo que os meus não fico plenamente convencido, mas sorrio ao meu conservadorismo de ideias que me faz sentir assim. Fiquei porém com uma certeza, aquele banco, apesar do meu estado mais frágil por eventos que sempre haverão de nos abalar, não era o mesmo, não por ter agora um alvo e cor rubra, nem sequer me lembro se a tinha há mais de três anos. O banco não era o mesmo, porque eu já não me sinto o alvo, parece que o colaram no banco para dele me desprender, que pretensiosismo tem esta ideia, bem sei, e eu já não estou só, mesmo que às vezes queira estar desacompanhado, como hoje. E esta certeza, em parte trazida por uma conversa de um amigo que em bom tempo ganhei e que, naquele momento, de certa forma desconsiderei pelo meu estado, mas não intencionalmente, foi a mesma que me fez levantar, uma vez apagado o cigarro, e seguir para uma breve caminhada, coisa que há três anos atrás, mesmo que tivesse mil braços a me puxarem, não teria e não teriam conseguido.