"Improvavelmente Poeta"

Eu queria ser poeta, ser capaz de pormenorizar emoções, detalhá-las, ora na suavidade, ora na rugosidade da escrita, as boas, mas também as que nos ferem e deixam marcas.

Gostava de ser capaz, como os ditos, de fazer uso das palavras apelando a metáforas, hipérboles, superlativos, iterações e ênfases para exponenciar sentimentos, meus e alheios.

Ansiava ter-lhes a capacidade de fazer uso da metafísica dizendo que as coisas e os seres inanimados têm expressões e estados de alma que só os que observam e sentem podem dizer que essas coisas e seres revelam ou sentiriam.

Adoraria fazer uso da semântica rebuscada e floreada da poesia, a tal que nos inspira as coisas inanimadas, para descrever os locais onde passo ou estou, ou apenas aqueles que imagino existir, para aos outros permitir entrar no meu pensamento quando estou nesses locais ou fazê-los sentir como se lá estivessem estado ou, melhor, ansiassem muito lá ir.

Eu queria ter a arte de escrever sem recuar nas palavras, sem as retocar para lhes dar traço mais impressivo, apenas para impressionar e de mim deixar imagem de grande sentidor.

Eu queria ser realmente assim e dizer que sou poeta, deslumbrar os outros com a força dos meus sentidos e assomá-los para ser tido por ser animado sensível e admirável. Mas pensando bem, mas não muito, apenas um breve instante, se calhar estou enganado no meu desejo.

Porque eu não sei o que é um poeta. Será de facto todo aquele que consegue escrever e passar sentimentos de todas estas formas supostamente tão impactantes?

E se eu não sei, ou pelo menos tenho sérias dúvidas, o que é um poeta, como posso desejar ser algo que não consigo qualificar?

Vou-me pois deixar de inquietações, anseios misturados na dúvida do que sou quando escrevo ou ambições em ser alguma coisa que outros me possam apelidar quando me lêem.

Porque provavelmente não quero ser nada, mesmo mais nada, ainda que aqui lhe dê a ênfase típica usada pelos que possivelmente são chamados de poetas, do que um mero escritor de palavras nas quais se captam sentimentos reais, os maus, os que causam temor, mas também os que, sem ser para impressionar, a não ser talvez a mim próprio e os que amo, e sei também deles ter igual sentimento, deixam sair de mim todo o amor pela vida e dizê-lo em palavras que provavelmente nunca serão poesia.

E esse desprendimento de não ter que ambicionar em como ser qualificado é a mais profunda tranquilidade que posso ter, e sempre quererei manter, enquanto escrevo, ainda que em mim revejam tiques de poeta pelos traços impressivos da escrita, que também uso, e que a alguns geralmente lhes confere tal cognome. E não irei parar de fazê-lo, serenamente.