"Alegria"
Os sentimentos não se definem, existem, apenas existem, se existirem, de forma subjectiva no consciente e inconsciente de cada ser. Uns sentem amor ou felicidade e expressam-no como sendo tal, outros dizem-se tristes, amargurados ou entediados ou, se o não dizendo, sentidores alheios lhes reconhecem a expressão de tais sentimentos. Afirmados ou, simplesmente, percepcionados, quaisquer sentimentos nunca terão, além de definição semântica, uma expressão determinística e, muito menos, mesurável, serão antes sempre esgares, evidentes ou omitidos, de absoluta relatividade consoante os semblantes que os manifestam. Há expressões de gente que diz sentir amor, mas que evidenciam no rosto também sofrimento e dor, talvez por temor da incerteza do que sentem ou por quererem fazer os outros sentir o que de todo não sentem. Este antagonismo de estados de almas mesclados numa mesma face é, avaliado pelos seus padrões de sentir, inquietante para uns, identificador para outros, ou nada para os que no meio de outros e uns se julgam perdidos em sentimentos nenhuns. Noutros sentires em rostos vincados, é também inevitável que se guarde distância de definições dogmáticas na ausência de comparabilidade das rugas que se desprendem ou dos músculos que se dilatam ou contraem num suposto idêntico sentimento provindo de tais rostos. Similares caras o expressam de forma tão díspar, assim como faces diferentes expressam de forma tão igual sentimentos tão diversos. Cada cara, cada rosto, cada esgar, é pois em si a melhor forma de se sentir um sentimento, sem cuidar de o definir em jeito de significado buscado em dicionário. Tenho uma forte convicção do que sinto ao escrever, mas também não tenho plena certeza se escrevo o que sinto. É uma dualidade irritante, por vezes extenuante, mas simultaneamente motivante e desafiante, pois permite perder-me nas palavras e deixar que outros nelas encontrem qualquer sentido se eu nelas o não vejo. É um sentimento que traz um conforto egoísta, julgo eu que o seja, pois até dos meus desconfio, de deixar correr a pena e enfardar nos outros o peso da descodificação. Mas há momentos, como os das linhas de tempo consumidas no esgalhar deste texto, talvez sem qualquer nexo ou sentido, que não consigo sentir nada, nem o suposto legado do desconforto ao alheio intérprete. Estes momentos são raros, não me recordo de tantos que preencham sequer uma mão. Mas recordo-me bem dos porquês da sua vinda. Não poderia deixar de o relembrar, pois são ténues e leves minutos, mesmo horas, mas nunca mais do que um dia, em que estou tão preenchido de tudo, que em mim encontra definição a absoluta e relativa alegria. Estes são momentos, tão etéreos, em que confio plenamente que tudo o que escrevi anteriormente não faz qualquer sentido.