"Maternidade Em Tempos De Adversidade"
A soberba e a demanda dos ditos tempos pós-modernos, entre outros, são factores que sonegam a disponibilidade das pessoas para os entes e amigos, minando no trajecto a solidez das bases e união familiares. Não poucas vezes, e cada vez mais, o dilema entre prover e suster os que amamos e, compassadamente, tomar o molde que nos é subtilmente oferecido para encaixe de nossas vidas, embrenha-nos na quase fatalidade de seguir o percurso que a sociedade nos impõe. Deste curso, quase forçado, tão inevitável por vezes, vão-se rasgando laços familiares que redundam na assunção de responsabilidades unívocas, especialmente quando o motor da família passa a ser unicamente a mãe, pela ausência, totalmente incompreensível, tão vil e ridiculamente desinteressada de alguns pais. Na tomada desse devir que forçadamente nos é sugerido abracemos, a maternidade, a verdadeira maternidade, de mãe que se desmultiplica abnegadamente em todos os papeis, de provedora de sustento, de cabeça única do lar, de nutricionista sentimental dos filhos e de orientadora esforçada do futuro de sua prole, porque o sente também como o seu próprio, nem sempre alcança a realização plena de tudo o que lhe é exigido, mas também do sentido assim dever ser por profundo amor, gerando muitas vezes sentimentos de incapacidade e frustração vincados, particularmente quando os descendentes directos, os que dela saíram e esboçaram seu primeiro olhar no fundo da alma da mãe, e desta nunca mais se ausentarão, se revelam indiferentes. Estes tempos, não obstante o esforço tão intenso dos que a orientam, acolhem também a descendência em sublimes prazeres, ofertados pela pós-modernidade da era, que os desviam de sua rota de corresponder ao supremo, e legítimo, anseio da mãe em tê-los perto de si, não apenas fisicamente, especialmente não fisicamente, e de correlativamente entregarem responsabilidade e empenho que sustente, fundamentadamente, a abnegação da mãe. A não concretização destes anseios despeja nas mães, naquelas que o são verdadeiramente, um sentimento que as invade de culpa e de falha perante as não realizações dos filhos, porque estes são elas próprias, pois de si vieram, gerando-lhes sofrimento ainda maior do que se fossem suas realizações, estas também necessárias para a mãe, que tivessem sido goradas. As verdadeiras mães, isoladas, mães de real coragem, vivem pois com intensidade o dilema que todos os dias se lhes confronta e carregam o peso, tão pesado, pois são reais mães, não apenas mães profissionais, e vão acumulando a sensação de falha, nem que seja pela omissão que o ter de prover e sustentar as força, muitas vezes saturadamente, a roubar tempo ao que realmente lhes interessa, assumindo como suas todas as culpas quando aquele peso lhes verga as costas. Vivem, pois, em tempos de profunda adversidade, descrendo muitas vezes em si enquanto mães verdadeiras, que o são tão realmente, mas em que o molde de sociedade imposto lhes tolda, por vezes, a nitidez do seu real valor. É nessa adversidade, provinda das frustrações tão sentidas das falhas dos filhos como sendo suas, mesmo suas, que as mães, mesmo as de verdade, seguem um trilho quase imparável, pois o caminho iniciado e o que lhes foi escolhido assim as vai conduzindo. Mas esse caminho, quase inevitável, deve deixar espaço para o diagnóstico racional não toldado pelo baque das emoções provindas das frustrações comunicadas e que sobrecarregam as costas já pesadas. As mães de verdade continuarão a sê-lo, pois são e serão sempre assim, porque lhes vem de dentro, e na adversidade acabarão por superá-la e, muitas vezes, todas as que sejam necessárias, terão o amparo de ombro e ouvido de quem as ama, provindo de pais, ainda que alheios, porque o são de outras proles, que também o são de verdade, e nelas sempre quererão deixar o toque, não só de amor e carinho, mas também de real companheirismo e solidariedade. Há que acreditar que, no fim, essa adversidade será vergada e transformada em melhor realidade, pois a culpa, nunca toda, mas quase toda, porque até às mães de verdade se deve conceder o direito de derrearem pelo pesado fardo que carregam, mais do que das verdadeiras mães, vem dos tempos que nos vão gerando a ilusão de que fomos nós que os criámos, quando, o tempo, na realidade, se criou a si mesmo e vai empurrando vilmente a culpa para as benditas mães de verdade.