"Deus Somos Nós"

Por amor de deus, se deus quiser, haja deus, deus é grande, deus há-de proteger o meu filho, ou, se o deixou partir, foi a vontade de deus. Todos trazemos com enorme ligeireza de fala, geralmente apelando ou rogando perante dificuldades e aflições, ou como resignação para mitigar o sofrimento, todos estes dizeres, eu próprio o faço. Será que pensamos o que dizemos, será que o sentimos, será que ele de facto nos protege, e, se todos apelam, será que ele acode sempre? Não, julgo de facto que não. Deus é injusto, afirmam muitos, resignados em constatação de não serem ou verem os seus agraciados. Será que é injusto porque deixou partir o meu pai antes de tempo, enquanto outros biltres envelhecem até não mais, só deixando dor em cada sopro que exalam? Mas porquê, se ele é tudo, é o universo, nosso criador, omnisciente, omnipresente, tudo, dizem, até pastor. Será por que de facto ele não é nada? Quem o criou a ele próprio? Será uno, pode ser branco, preto ou amarelo, ou de qualquer outra cor, animal, de vários braços e tromba, mulher ou homem, com barbas ou imberbe? Porque é que uns marcam o calendário por suposta origem de seu deus e outros pela de outras teóricas divindades em que crêem? Será que ele não é somente nós, cada um de vocês? Será que ele não é uma mera forma de conforto do nosso desconhecimento, temores, de descarrego de desgraças ou de inauditos apelos, de desesperanças, mas também de júbilo de alegrias? Graças a deus, dizem! Desconfio plenamente que sim. Para mim deus sou eu, são os meus filhos, são os meus amigos e os estranhos, mesmo os que nada me dizem ou, até, repudio. Por isso digo, pelo meu amor, do dos meus filhos e de todos os que amo e me amam, se vocês e outros quiserem, sejamos grandes, protejamo-nos uns aos outros, perdoemo-nos mutuamente, mesmo se tenhamos vincado sentimento oposto, larguemos rancores e, especialmente, temores. Façam igreja em vossa casa, na doutros, nas ruas de luxo estampado ou nas vielas imundas onde impera o sofrimento, de crianças, especialmente de crianças, seguindo em conduta de bons princípios, como solidariedade, piedade e todos outros que vos façam bem, mas também aos demais, pensando no reflexo que vossas acções têm noutrem, mesmo que os não apreciem, com respeito e consideração. Julgo, se assim for, que deus se calhar existirá e, talvez, um dia, deixe de ser apenas nós.